A Orquestra Clássica Metropolitana é formada pelos alunos da Escola Profissional da Metropolitana, que celebrou recentemente a sua primeira década de atividade. Assim, também já o seu Concerto Natal faz parte dos tradicionais festejos natalícios da cidade de Lisboa. No programa deste ano, tudo começa e termina com música recheada de fantasia. Primeiro a introdução da ópera de Mozart A Flauta Mágica, uma breve evocação das difíceis provações que o príncipe Tamino tem de ultrapassar para resgatar a sua amada num enredo sobrenatural. Por fim, a suíte orquestral em que Tchaikovsky reuniu os melhores momentos do bailado onde um corajoso Quebra-Nozes enfrenta o exército do Rei dos Ratos para depois viajar com uma menina chamada Clara à Terra dos Doces, onde conhecem a Rainha das Neves e a Fada do Açúcar. Pelo meio, o pianista António Rosado interpreta o Concerto para Piano N.º 5 de Beethoven. Escrito pela mesma altura da Quinta Sinfonia, faz eco da invasão da cidade de Viena pelas tropas de Napoleão. Também é conhecido por «Imperador», desde que um editor tomou a liberdade de lhe acrescentar esse título, porventura inspirado pelo ambiente majestoso que o atravessa.
ABERTURA DA ÓPERA A FLAUTA MÁGICA
Wolfgang Amadeus Mozart começou a trabalhar na ópera A Flauta Mágica em março de 1791, mas a sua abertura foi a última parte do manuscrito a ser completada. A estreia teve lugar no dia 30 de setembro do mesmo ano, num pequeno teatro dos arredores de Viena, o Theater auf der Wieden. O compositor sobreviveu pouco mais de dois meses àquela data.
A abertura d’A Flauta Mágica ocupa um lugar muito singular no contexto do legado mozartiano. Trata-se da última partitura que o compositor austríaco escreveu para uma formação exclusivamente orquestral, sem vozes ou parte solista. A quase totalidade da ópera foi composta no verão de 1791. Depois, Mozart teve de se dedicar a La Clemenza di Tito, outra ópera, destinada à proclamação do imperador Leopoldo II. Só mais tarde viria a escrever estes cerca de sete minutos de música que dão início ao espectáculo que se popularizou, em boa medida, graças ao dueto entre Papageno e Papagena e à ária da Rainha da Noite.
A Flauta Mágica permanece, ainda hoje, um dos mais emblemáticos símbolos dos ideais iluministas do século XVIII, assente num enredo em que o conceito de igualdade é aplicado à condição humana por intermédio das difíceis provações a que o príncipe Tamino se tem de sujeitar para resgatar e obter a mão da sua amada. Curiosamente, e ao contrário do que acontece em tantos outros casos, esta abertura não ilustra linearmente momentos ou personagens da ópera; não introduz o espectador no ambiente dramático que prevalece ao longo da mesma. Alterna acordes majestosos – porventura conotados com o simbolismo maçónico – com partes fugadas, sempre apontando para o final triunfante que dá início ao enredo.
O CONCERTO IMPERADOR
Beethoven compôs o concerto Imperador a meio do ano de 1809, enquanto a cidade de Viena era bombardeada pelas tropas francesas. Basta lembrar o episódio da dedicatória rasurada na Sinfonia Eroica, para adivinhar que, havendo um herói neste concerto, não seria seguramente Napoleão Bonaparte.
O Concerto para Piano e Orquestra N.o 5, conhecido por Imperador, foi composto a meio do ano de 1809, quando a cidade de Viena era bombardeada pelas tropas francesas. Nesta altura, Viena já não apresentava o esplendor de outros tempos, até porque grande parte das famílias aristocratas haviam partido para regiões mais seguras. Lembre-se, todavia, que a designação «Imperador» que dá título a este concerto não é da autoria de Beethoven, mas sim do editor que publicou a partitura em Inglaterra. De qualquer das formas, basta lembrar o episódio da dedicatória rasurada no manuscrito da Sinfonia Eroica, para nos assegurarmos que, havendo um herói neste concerto, não seria seguramente Napoleão Bonaparte. Diante da impetuosidade do primeiro andamento, e sabendo o contexto em que a obra foi escrita, resulta difícil dissociá-la dos sons da artilharia que se deveriam fazer escutar sem interrupção em torno do compositor. Contrariando o que seria à época expectável de um concerto para solista e orquestra, o piano evita de início um tema melódico evidente, preferindo irradiar efeitos sonoros por entre uma orquestra que já não se limita à função de acompanhamento. O contraste é grande, quando nos deparamos com tranquila apreensão do segundo andamento, que tem início com um coral «entoado» pela orquestra ao qual o piano responde com uma melodia muito simples, mas carregada de expressão. No final, regressa de novo a inquietação rítmica, desta vez com uma dança popular alemã que nos conduz a um final
retumbante.
SUITE DO BAILADO O QUEBRA-NOZES
Apesar de ter sido composta por Tchaikovsky há já mais de um século, só desde há cinquenta anos a música do bailado O Quebra-Nozes se tornou verdadeiramente conhecida do grande público, em boa medida graças à concisão e popularidade da Suíte Orquestral Op. 71a. As oito curtas peças desta suíte são recorrentemente utilizadas pelos criativos da publicidade e, sobretudo, tornaram-se presença obrigatória na paisagem sonora natalícia, fenómeno a que não é alheio o enredo do espetáculo estreado no Teatro Mariinsky, em 1891.
O bailado baseia-se num conto com o título O Quebra-Nozes e o Rei dos Ratos. Conta a história de uma menina chamada Clara que, com seu irmão Fritz, esperava ansiosamente a chegada dos familiares na noite de Natal; em particular de um tio que construía brinquedos mecânicos. Já se vê que tudo tem início com uma das ofertas, neste caso um presente muito estranho. Trata-se de um quebra-nozes de madeira com aparência de soldadinho de chumbo. A menina ficou fascinada pelo objeto e, ao deitar-se, abandonou-se num sonho espetacular: Ao comando de outros soldados, também de brincar, o corajoso Quebra-Nozes enfrenta o Rei dos Ratos e seu exército. Conseguiu vencer, com a preciosa ajuda de Clara. Este é o início de uma amizade muito especial que experimentará grandes aventuras. Vão juntos à Terra dos Doces, conhecem a Rainha das Neves e a Fada do Açúcar. Entretanto, o Quebra-Nozes transforma-se num belo e jovem príncipe… e dançam juntos sem parar. Infelizmente os sonhos acabam. Mas fica a música para comprovar que tudo o que se passou foi bem real. O compositor, Piotr Ilitch Tchaikovsky, escolheu algumas das melhores partes e preparou estas oito peças orquestrais que nos permitem hoje sonhar com esse mundo fantástico, sem recurso a bailarinas, atores ou filmes 3D. Embalados por música de sonhar, tudo se confia à imaginação de cada um de nós.
Textos de Rui Campos Leitão