A 27 de novembro de 2014, o Cante alentejano foi declarado Património Cultural e Imaterial da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO). Como exemplarmente definido na candidatura então apresentada, o “(can)to da (te)rra” é um canto coletivo, polifónico, em compasso lento, quase sempre melancólico, sem recurso a instrumentos e que incorpora música e poesia, associado geograficamente ao Baixo Alentejo, retratando a “ligação umbilical do trabalhador com a terra-mãe”. Ou inteiramente masculino ou feminino, o Cante tem como estrutura musical duas vozes solistas, o ponto e o alto, alternando com um coro, em estrofes repetidas num ciclo o número de vezes que os cantores desejarem. É a expressão de um povo, tradição vernacular única, refletindo a identidade e a história de uma comunidade e de uma região.
Em parceria com o Museu do Cante de Serpa, comemoram-se os 10 anos da declaração como Património Cultural Imaterial da Humanidade, com o Livro Segundo, op.57, do Novíssimo Cancioneiro de Nuno Côrte-Real (1971). Dedicado a Maria Pinto Cortez e ao seu Cancioneiro de Serpa (1994), recolha etnográfica incontornável, feito ao longo de uma vida, e profusamente ilustrado pela autora, o Livro Segundo, op.57 resulta, também ele, da recolha etnográfica na cidade de Serpa por parte do compositor que, fruto de uma circunstância familiar ocasional, aí passou a sua infância.
Discursos musicais externos multiplicam-se, enquanto roupagem que parecem desviar o Cante da sua identidade e autenticidade. Mas, ao contrário do que parece, não desviam nem se sobrepõem. Ao invés da transparência da música de Côrte-Real, deparamo-nos com uma opacidade incaracterística, qual partitura caiada, emulando o branco do casario. Pressente-se neste Livro Segundo uma rudeza propositada, um canto percussivo e penetrante, que ecoa na serenidade lírica da planície alentejana. É a rudeza dos árduos dias de trabalho, de uma existência de miséria, uma pobreza compassada e dilacerante, que tinha no Cante e na sua poesia, uma expressão e um escape.
Programa
E. Carrapatoso (n.1962)
Llaços, contradanças e descantes
N. Côrte-Real (n. 1971)
Cante (Novíssimo Cancioneiro – Livro Segundo)