Pode dizer-se que A Vida de Maria é um retábulo cénico sobre a mansidão, a quietude, a imagem sem mácula, a aura de uma certa santidade a que todos nós podemos aceder se o cinismo, a sobranceria e outros sinais do já famoso mal-estar contemporâneo nos abandonarem momentaneamente. Um recital que percorre os principais factos daquela a quem chamamos Maria, pela escrita de R.M. Rilke, à maneira de itinerário conceptual, porque hoje quando dizemos Magnificat não é certo que na cabeça dos nossos pares ressoe apenas o cumprimento feito por Isabel a Maria. Ou Pietá ou Natividade, e a lista prolonga-se. Heinrich Voegeler lançou o repto a Rilke, que a partir das imagens do Manual de Pintura do monge pintor Dionísio do Monte Athos ou do Paterikon do Mosteiro da Caverna de Kiev ou ainda do Flos Sanctorum de Pedro Ribadaneira escreveu este ciclo de 13 poemas. Uns anos mais tarde Hindemith musicou-os. Desta autoria tripartida nascerá este acto de higiene espiritual numa altura em que os fantasmas de Richard Dawkins ou Christopher Hitchens assomam aos altares da vida pública e onde o simples facto de se dizer Deus abertamente e com maiúscula nos pode pôr no limbo do saneamento laico. Este espectáculo é uma oração. Este espectáculo é um acto militante. Este espectáculo devia ser uma leve brisa.
Miguel Loureiro