Consubstantiation é um drag show estranho. Deslocando-se de uma perspetiva de género e de identidade sexual binários, a performance desenvolve-se a partir da criação de um imaginário de “um espaço entre”, tanto sexual como de género, e da sua personificação: um corpo humano que se aproxima de um género-objeto. Abraçando o ser-objeto como uma mandala para um género esbatido, uma figura entra num processo simultâneo e paradoxal de auto-objetificação e desaparecimento somático (cancelamento de sua subjetividade).
Dinis Machado procura um imaginário de género paralelo, estrangeiro às estéticas sedimentadas de representação queer num imaginário pop mainstream. Um exercício de deslocamento onde: figurinos com glitter dão antes lugar a processos de hacking do corpo com objetos geométricos de materiais concretos; coreografias estilizadas dão lugar a territórios de movimento inomináveis; canções pop dão lugar a narrativas de identidade plurais e esbatidas cantadas como uma ópera dodecafónica, que produzem mais uma ficção incompleta do que uma legitimação narrativa do eu. Esta figura investe em condicionamentos e deformações do seu corpo sem nome, encontrando na materialidade, geometria e plasticidade um processo de questionar o corpo e a sua própria representação antropomórfica e, assim, reivindicar um corpo de uma materialidade queer: que se recusa a consubstanciar uma heterossexualidade linear, masculina e antropomórfica, e se recusa paradoxalmente também a abandoná-las.
Enquanto todos se perguntam se a vacina russa funciona realmente, a ZDB propõe a sua própria luso-medicina: mais espírito do que agulha. A sua eficácia: saber o que significa inclusão e conseguir criar colaborações entre a comunidade. Por essa razão, a Zé dos Bois foi desafiada a agendar um ciclo que terá lugar entre 29 de setembro e 2 de outubro de 2020, antecipando o seu 26º aniversário, num acolhimento do Teatro São Luiz.
A ZDB propõe uma programação nacional, e como habitualmente, desperta – através da apresentação de um programa de performances, música e as suas interseções com as artes visuais – as curiosas ligações entre entidades que por vezes parecem antagónicas. Neste programa, novas particularidades sonoras e musicais são combinadas com performances e propostas visuais desafiantes.
O corpo, uma segunda e até terceira natureza, é questionado pelos marcos performativos do mundo contemporâneo, defendendo ao mesmo tempo um olhar que vai além do visível e do invisível (Mariana Tengner Barros). Definições mais conscientes de si mesmas, levam-nos a emancipar-nos da separação entre o pessoal e o político, através de viagens astrais de natureza especulativa e ainda desconhecida (Odete e Alice dos Reis). A mecânica do analógico adquire um significado abstrato numa demonstração de feedback audiovisual (Pedro Sousa). O concetualismo mais depurado é fundido com uma tradição musical portuguesa reinventada (Lula Pena e João Simões). A sexualidade diz adeus ao género, o corpo humano aproxima-se de um género-objeto (Dinis Machado). A voz relatora de uma comunidade amplifica-se a projetar futuros possíveis (Tristany). A pop de vanguarda faz agora mais sentido do que nunca e voltamos a desfrutar como fazíamos, antes do momento em que tudo nos pareceu perdido (Alek Rein, Primeira Dama).