Era a noite dos tempos, a génese pagã, antes que o homem se livrasse dos seus cascos, dos seus chifres, do seu lado animal. Era o tempo depois da escuridão, o mundo estava cheio de frutos da terra e a galáxia regenerava-se após o cataclismo. Todos queriam acreditar que um mundo mais generoso era possível, apesar dos monstros que nos habitavam, apesar dos predadores à espreita que sempre nos querem devorar.
Este espetáculo usa marionetas clássicas e antigas fábulas para retratar e tentar entender o que se passa nos dias atuais, além de combater a ascensão ao poder de figuras histriónicas, ridículas, cruéis e populistas. O corpo humano e o corpo animal, o vivo e o artificial, a carne e a madeira, os fios e o sangue são aqui ferramentas para abrir novos espaços de discussão, pois até mesmo as fábulas exigem um certo protocolo antes do massacre.
Fábulas Antropofágicas para Dias Fascistas é um projeto cénico que utiliza marionetas de fios e máscaras hiper-realistas de silicone, cruzando artes visuais, teatro e filosofia contemporânea para refletir sobre o momento histórico em que vivemos, a partir da mistura das Fábulas de Esopo, com as obras de Márcia Tiburi, filósofa, artista, professora, escritora e investigadora do fascismo.
O humor nasce de situações absurdas, metáforas inesperadas, que procuram fazer o público refletir sobre os mecanismos do poder no seu quotidiano, através de situações em que os animais se devoram.
Com esta peça, como em todas as outras do seu repertório, o Pigmalião procura provocar o público, que geralmente subestima o poder catártico das marionetas, a refletir sobre situações que praticam ou de que são vítimas, sem que percebam.
Este espetáculo busca o reconhecimento do teatro de marionetas como suporte artístico da arte contemporânea, por meio do atrito entre o vivo e o artificial, entre o humano e o não humano. As marionetas tornam-se espelhos críticos, disfarçados pela ingenuidade que lhes é erradamente atribuída. As Fábulas Antropofágicas serão, portanto, mostradas ao público adulto, na esperança de ajudar a perceber as subtilezas do poder que o subjuga.
BIO
O Pigmalião Escultura Que Mexe é um coletivo de artistas que encontrou no teatro de marionetas o veículo ideal para desenvolver trabalhos no limite entre as artes cénicas e as artes plásticas. Criado em 2007 e sediado na cidade de Belo Horizonte, o grupo sempre procurou desenvolver espetáculos com profundidade conceitual e filosófica.
A sua trajetória está intimamente ligada ao teatro contemporâneo e às artes performativas, onde a filosofia e a política passam pela dramaturgia e encenação dos seus espetáculos. As possibilidades de manipulação da marioneta de fios clássica, bem como a relação dos atores com as marionetas e a pesquisa constante com outras disciplinas artísticas são os elementos fundamentais do seu trabalho. Assim, o Pigmalião Escultura que Mexe busca o reconhecimento da marioneta na produção artística contemporânea.
Eduardo Felix, o diretor artístico da Pigmalião, centra grande parte da sua pesquisa e os seus espetáculos no movimento das marionetas de fios, sendo reconhecido internacionalmente como artista e construtor de marionetas.
“Os criadores surpreenderam-nos agradavelmente com a sua estética minimalista e altamente eficaz desde o primeiro minuto do espetáculo: vimos sete marionetas que representavam diferentes animais (carneiro, raposa, alce, leão, etc.) penduradas com fios vermelhos no fundo do palco. Mais precisamente, não eram apenas animais, mas figuras antropomórficas: embora as suas cabeças parecessem animais amorosos, os seus corpos eram humanos, com a estrutura muscular visível sob a pele nua. Cada marioneta tem pormenores muito detalhados e belos: botas de cowboy, um cinto, etc. A base dramatúrgica deste espetáculo é uma interpretação poderosa das Fábulas de Esopo, que pretende explicar como e por que surgem os populistas no mundo, como tudo começa com o slogan aparentemente inocente Make the Forest Great Again, e como todos os sistemas autoritários acabam eventualmente por degenerar, sempre com o sacrifício simbólico de um ‘cordeiro inocente’ ou simplesmente de um ser humano. A companhia distinguiu-se pela manipulação muito delicada e profissional das marionetas, o que lhes permitiu criar personagens extremamente realistas, mas sem esconder os fios vermelhos e bem visíveis do controlo das marionetas, convidando-nos a ter presente que a imagem visível é apenas uma imagem inteligentemente construída.”
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