A morte
A morte é uma flor que se abre uma vez.
Mas quando abre, nada se abre com ela.
Abre sempre que quer, e fora de estação.
E vem, grande mariposa, adornando caules ondulantes.
Deixa-me ser o caule forte da sua alegria.
Paul Celan *
Como a morte (se a encararmos com exactidão) é o verdadeiro objectivo da nossa vida, tenho-me familiarizado, de há uns anos a esta parte, com essa verdadeira e excelente amiga do homem, a ponto de o seu rosto já nada ter de aterrorizador para mim, parecendo-me, pelo contrário, tranquilizante e muito consolador. E agradeço a Deus por me ter concedido a graça de aproveitar a oportunidade […] de aprender a conhecer esse rosto como a chave da nossa verdadeira felicidade. De noite, nunca me deito sem pensar que no dia seguinte (por muito jovem que eu ainda seja) talvez já cá não esteja e, no entanto, nenhuma das pessoas que me conhecem e me frequentam pode dizer que eu ande magoado ou triste. Todos os dias agradeço esta felicidade ao meu Criador e desejo cordialmente a mesma felicidade a todos os meus semelhantes.
Wolfgang Amadeus Mozart
(Carta a seu pai, Leopold Mozart, 4 de Abril de 1787) **
* Citado por: João Barrento – Ler o que não foi escrito: conversa inacabada entre Walter Benjamin e Paul Celan. Lisboa: Cotovia, 2005. p. 26.
** Citado por: Christine Prost – “Mozart, Wolfgang Amadeus, 1756-1791”. In Pierre Brunel, dir. – Dictionnaire de Don Juan. Paris: Robert Laffont, cop. 1999. p. 675.
Trad. Regina Guimarães.