Assistir a uma bela peça. Surpreender-se com um texto acutilante. Deleitar-se com uma encenação mordaz. Extasiar-se com cenografias engenhosas. Comprazer-se com atores exímios, com vozes claras e poderosas que modelam as personagens. E ver tudo. Ouvir tudo. Perceber tudo. Ocupar o “lugar do príncipe” que tudo pode, tudo vê, tudo ouve e tudo percebe. Tudo feito à medida. À imagem e semelhança de quem está no centro do mundo, num lugar de privilégio. “Mas… e se não houver texto para ouvir? Se não houver vozes que nos arrepiem a pele? Se os gestos falarem mais alto que as cordas vocais? Se convidarmos para o centro de cena aqueles que por e pela norma são colocados num cantinho do palco, para não desviar a atenção do virtuosismo que à boca de cena se apresenta?”, interrogam-se Cátia Pinheiro, Diogo Bento e José Nunes, responsáveis pela dramaturgia do espetáculo. Língua é um espetáculo que utiliza a Língua Gestual Portuguesa como veículo primordial de comunicação e que pretende colocar em causa as relações de poder e de privilégio que estruturam há muito o teatro. Em palco, procura-se o confronto entre modelos de comunicação e linguagem de uma obra teatral, de modo a desimportantizar a língua que ouvimos (quem a ouve…) e sublimar outras, numa tentativa de combater o fonocentrismo que perpetua relações de violência, insistindo em obrigar todos a falar da mesma forma, dentro e fora do teatro.