Corria o ano de 1961 e Pacheco lá vai até Vieira do Minho fazer, numa tipografia baratucha, os postais do “padeiro”, que, às dezenas, foram mandados “para o Mundo Português”. No regresso, queda-se Pacheco um dia em Braga e é aí que, a 16 ou 18 de outubro, na Pensão Oliveira, “enquanto esperava para o almoço”, lhe sai a história de O Libertino passeia por Braga, a idolátrica, o seu esplendor. O anti-herói deste O Libertino… é o próprio Luiz Pacheco, que, à data de 1961, andou nas carrinhas da biblioteca itinerante da Fundação Gulbenkian, carrinhas cheias de livros que percorriam o país real, fornecendo alimento às mentes sedentas de leitura, principalmente as jovens gerações. É à sombra de uma dessas carrinhas, estacionada em Braga que o Libertino tenta seduzir lolitas e magalas. Num país acanhado, de gente agredida no corpo e na alma, não há espaço para D. Juan, Sade ou Casanova, apenas para um Libertino à escala do país que éramos (somos?). Pacheco nunca se preocupou em ser respeitável e, sobretudo, não quis respeitar as convenções, num mundo em que a moral é um colete de forças que o grupo dominante aplica ao dominado para salvaguardar a sua prepotência, o Bem e o Mal são completamente distintos e independentes disso – o Mal pode estar de mão dada com a moral e o Bem contra ela. A moral muda consoante o grupo dominante e as suas necessidades, o que não muda é a ética. Neste passeio por Braga o Libertino não viola nenhuma ética, pelo contrário, as suas conversas e reflexões descrevem-nos e dão-nos uma imagem muito mais exata da realidade portuguesa, da vida acanhada em tempos de opressão num país cinzento de violências contidas, do que toda uma literatura que se pretendeu interferente. Mas ao mesmo tempo, toda esta história é marcada pelo riso, pela sátira, a ironia e autoironia e o prazer pela vida.
Em 2025, celebra-se o centésimo aniversário do nascimento de Luiz Pacheco, escritor, editor, polemista, epistológrafo e crítico de literatura português que nasceu em Lisboa, em 1925, e morreu no Montijo em 2008.
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