Face ao anúncio das atuais medidas de combate à pandemia de COVID-19, decidimos antecipar o horário da apresentação de espetáculos, de forma a permitir que o público possa cumprir o seu dever cívico de recolhimento. Manteremos os Teatros e Salas de espetáculos abertos, garantindo a oferta cultural e seguindo todas as regras de segurança de público e de todos os profissionais envolvidos.
“O nosso corpo também se torna outro para outros: cada um nasce objecto capitalizado, imagem de alguém; cada um nasce outro, radicalmente outro. Nascemos para sermos, antes de mais, essa coisa fora do comércio vulgar e que, antes de ser nomeada e de tentar viver a sua própria parte de sujeito, começa por ser a parte plena e inteira dos outros, esses outros privilegiados, os pais – literalmente os reprodutores -, confrontados com o objecto desconhecido do seu desejo, com o inatingível de uma transmissão”.
Pierre Legendre em L’Inestimable objet de la transmission
Perfil Perdido é uma peça de Marco Martins sobre filiação e a figura do pai, criada para dois intérpretes e uma voz. Partindo da representação da figura do pai enquanto elemento central da arte ocidental e da domesticidade enquanto estaleiro, os dois protagonistas percorrem a vida de várias personagens, outros eus, criando relações e cruzamentos inesperados – não têm idade nem género ou corpo definido, transmutam-se entre si, criando mundos fugazes e fragmentados.
Na gíria da história de arte, Perfil Perdido alude um retrato a ¾, em que o rosto não se vê mas é convocado, em que atenção é focada naquilo que, não sendo explícito, é indiciado como fundamental. Assim parece acontecer muitas vezes no âmbito da família, imbrincado reduto do mais ancestral e problemático que há em nós, onde se joga em alta parada o (des)equilíbrio entre o indivíduo e o coletivo, entre o interesse pessoal e o bem comum.
Ao convocar um trabalho de improvisação que tem como base o fluxo de memórias pessoais de Beatriz Batarda e Romeu Runa, Marco Martins cria um espetáculo em que os vários excertos de textos usados – que constituem a sua matriz dramatúrgica – são assim simultaneamente uma reconstrução, mais ou menos verdadeira ou falsa da biografia dos seus intérpretes, do que foi vivido ou talvez fantasiado, e também testemunhos diretos de outros autores – como Kafka, Bacon, Sófocles, Siri Hustvedt, Peter Kubelka ou Édouard Louis – sobre as suas relações com a autoridade paternal.
Construído ao longo de um ano de residências, Perfil Perdido é um trabalho em constante mutação, criado num calendário atípico: um ano separa a sua ante-estreia no Festival Internacional de Istambul da estreia nacional no Teatro São Luiz.
Datas de digressão 2021:
– Centro Cultural Vila Flor: 14 e 15 de maio
– Cineteatro Louletano: 22 e 23 de maio
– Teatro Viriato: 5 e 6 de junho
– TeCA/TNSJ: de 10 a 13 de junho