sobre Ten Chi…
«A cena surge sombria e praticamente vazia. Estranhas formas emergem à superfície: partes de um corpo de baleia, uma cauda gigante em primeiro plano, um dorso, tal como uma pequena ilha, e, ao lado, uma barbatana dorsal. Para este novo trabalho de Pina Bausch, intitulado Ten Chi, o cenógrafo Peter Pabst renunciou completamente à utilização de imagens em movimento de filme (como no antecedente e impressionante Nefés). Desde o início estes sinais minimalistas remetem para sombrios abismos (marinhos) que mergulham a obra numa atmosfera misteriosa e enigmática.
Ao longo dos anos, os convites para a realização de co-produções, na Europa, como em outras vilas ou cidades mais longínquas, constituem o ponto de partida para as novas obras de Pina Bausch. È desta forma que a coreográfa, mundialmente reconhecida, já se instalou em Roma, Viena, Lisboa, Madrid, Nova Iorque, Budapeste, Hong Kong ou Istambul. Durante duas ou três semanas a sua companhia – Tanzetheater Wuppertal – vive no país, para poder, de seguida e no regresso a Wuppertal, transportar para a dança as impressões de viagem recolhidas. Mas não se trata, porém, de uma visão superficial e turística. No caso de Ten Chi (Céu e Terra), o Japão é, desta vez, parceiro. Com a sua atmosfera , o seu exostimo, a sua profunda decência e a suas tradições ancoradas no Extremo-Oriente, este país é mais perceptível que vizível: um leque, um kimono, ramos de cerejeira desenhados a tinta da China sobre as costas de alguns dos intérpretes, uma bailarina que deambula pela cena protegida pela sua sombrinha. E a música (Mathias Burket e Andreas Eisenschneider) que se enraiza também no Japáo, através da entoação de alguns cantos nipónicos. Depressa e até ao final, a neve cai – mas talvez sejam, afinal, as flores de cerejeira que vão cobrindo o palco pouco a pouco. Metchild Grosmann joga, igualmente, com os clichés japoneses. Do fundo da sua voz grave e rouca, ela permite-se pronunciar palavras como geisha, kimono, samourai ou harakiri. (Como sempre, ela quebra a harmonia da dança com a dicção de textos, desta vez de Bertolt Brecht e José Saramago).
Ten Chi é uma obra sobre o amor e a morte, sobre o homem e a mulher, as suas nostalgias, os seus movimentos e os seus sonhos. E sobre a certeza que eles nunca se podem reencontrar… E tudo isto se passa de forma muito diferente das outras obras de Pina Bausch, sem agressividade, alegremente, com um sorriso, em doçura… Muita harmonia, ainda maior beleza e uma comicidade que conduz ao riso. No entanto, reina sobre toda esta obra uma terna melancolia.»
Anne Linsel, Maio 2005