O que Hatherly faz é sobre o desenho da letra na tela e sobre o desenho da letra na boca. O seu conhecimento da história e da arte universais (h que é cadeira e A cavalete), transborda pelas bordas da sua escrita. Dela só se pode revelar um olhar diagonal das coisas. Revelar talvez o som, talvez o silêncio entre o som, ou entre a pincelada, ou entre o gesto torto que já não cabe na tela. Encenar uma leitura sua será um exercício ainda mais inacabado do que o natural rascunho da ação de ler. Será preciso mostrar também o que se vê além do que se conta. A mancha por detrás da história e a respiração por detrás língua.
Foi em 2016 que Sara Carinhas organizou o Ciclo de Leituras Encenadas no antigo Jardim de Inverno, onde se ouviram excertos de obras de Herberto Hélder, José Tolentino Mendonça, Luísa Costa Gomes, Maria Velho da Costa e Matilde Campilho. Uma vez por mês, ao fim da tarde, intérpretes e público partilharam palavras em português a diferentes vozes. Quatro anos depois, a Sala Bernardo Sassetti recebe o Um Quarto que Seja Delas – Segundo Ciclo de Leituras Encenadas, com cinco sessões a decorrer entre setembro de 2020 e janeiro de 2021. Uma proposta que conta com mais de vinte mulheres, entre autoras, atrizes e equipa artística. “Continuamos a demanda da partilha da literatura e do teatro dos pequenos gestos que as palavras pedem”, diz Sara Carinhas.