21h – Tristany apresenta ‘Meia Riba Kalxa’
Rapper, músico, artista visual e relator atento e consciente das realidades sociais e quotidianas das periferias de Lisboa, Tristany sonda o percurso da Linha de Sintra até ao centro para recolher daí as peças de um mosaico de vivências e sentimentos bem próximos. A labuta, os anseios e aspirações de toda uma comunidade, ainda demasiado arredada dos epicentros de decisão e capital, a clamar por um lugar na voz e letras de alguém que o escreve com propriedade e vida. Observador que é também participante e deixa tudo isso com a coragem e audácia dos bravos em Meia Riba Kalxa.
Álbum de estreia em nome próprio após militância nos Monte Real, Meia Riba Kalxa é um abalo no rap tuga como há muito não se ouvia, descarta as tendências mais canónicas que se associam ao género para daí projetar a sua própria realidade. Que é afinal um reflexo desta. Disco comunitário na forma e no espírito, abre o rap a uma panorâmica onde cabem a hipnose do r&b mais vaporoso, o nervo do rock, a kizomba e a herança africana, cascatas de sintetizador espectrais e uma imaginação prodigiosa feita de memórias, conjeturas e refutações. A projetar futuros possíveis a partir daqui. Do agora. Tristany traz ao São Luiz a sua voz, congas e trompete, acompanhado de Du nos “pratos” e na voz e do comparsa Ariyouok na loopstation, percussão e voz.
22h – Portal, Odete e Alice dos Reis
Peça em estreia no São Luiz, conjurada por Alice dos Reis e Odete, Portal combina som, texto, canto e instalação na projeção de uma narrativa comum a partir de dois exoplanetas paralelos. Num plano especulativo para onde convergem géneros como o sci-fi ou a ópera, Alice e Odete abatem as barreiras entre o pessoal e o político, num processo autobiográfico tão detalhado quanto abstrato que projeta possíveis futuros a partir dos sonhos e desejos das mesmas. Com o vínculo galático de superarem a sua própria terra.
Encontro pleno de sentido, entre duas artistas de visão mui pessoal e sonhos partilhados. Alice dos Reis com um percurso artístico que a levou a revelar obra na Europa, nos Estados Unidos ou na Austrália, por entre galerias, instituições e festivais de cinema, fruto de enfoque, visão e mérito académico pelo Sandberg Instituut de Amsterdão. Com um trabalho continuado que de acordo com a própria “olha para encontros entre agentes humanos e mais do que humanos em sistemas biopolíticos”. Conceitos que ligam umbilicalmente ao ofício de Odete, artista transdisciplinar por entre a escrita, as artes visuais, a performance e a música. Abertamente autobiográfico, todo o seu trabalho em diversas frentes se debate com as ligações entre as esferas do pessoal e do político, invocando uma cosmogonia própria que reescreve a história para inventar o futuro. Com trabalho revelado em inúmeros espaços, em diversos contextos, do club à galeria e pontos intermédios de atenção, lançou já este ano Water Bender pela New Scenery.
Enquanto todos se perguntam se a vacina russa funciona realmente, a ZDB propõe a sua própria luso-medicina: mais espírito do que agulha. A sua eficácia: saber o que significa inclusão e conseguir criar colaborações entre a comunidade. Por essa razão, a Zé dos Bois foi desafiada a agendar um ciclo que terá lugar entre 29 de setembro e 2 de outubro de 2020, antecipando o seu 26º aniversário, num acolhimento do Teatro São Luiz.
A ZDB propõe uma programação nacional, e como habitualmente, desperta – através da apresentação de um programa de performances, música e as suas interseções com as artes visuais – as curiosas ligações entre entidades que por vezes parecem antagónicas. Neste programa, novas particularidades sonoras e musicais são combinadas com performances e propostas visuais desafiantes.
O corpo, uma segunda e até terceira natureza, é questionado pelos marcos performativos do mundo contemporâneo, defendendo ao mesmo tempo um olhar que vai além do visível e do invisível (Mariana Tengner Barros). Definições mais conscientes de si mesmas, levam-nos a emancipar-nos da separação entre o pessoal e o político, através de viagens astrais de natureza especulativa e ainda desconhecida (Odete e Alice dos Reis). A mecânica do analógico adquire um significado abstrato numa demonstração de feedback audiovisual (Pedro Sousa). O concetualismo mais depurado é fundido com uma tradição musical portuguesa reinventada (Lula Pena e João Simões). A sexualidade diz adeus ao género, o corpo humano aproxima-se de um género-objeto (Dinis Machado). A voz relatora de uma comunidade amplifica-se a projetar futuros possíveis (Tristany). A pop de vanguarda faz agora mais sentido do que nunca e voltamos a desfrutar como fazíamos, antes do momento em que tudo nos pareceu perdido (Alek Rein, Primeira Dama).